Quem AINDA quer ser PROFESSOR?
João Valdir Alves de Souza*
Há fortes evidências, nos dias atuais,
de que a profissão docente vive uma crise sem precedentes na história do
nosso ensino. A despeito da grande diversidade de condições da oferta e
demanda por escolarização, tanto no que se refere à condição docente
quanto à condição discente, produto da diferenciação sociocultural e das
desigualdades socioeconômicas, essa crise atravessa a estrutura da
escola de alto a baixo.
Ela combina ingredientes de natureza muito diversa, mas o
elemento-chave da sua explicação é o baixo valor do diploma de
professor, sobretudo na educação básica, tanto no mercado de bens
econômicos (salário) quanto no mercado de bens simbólicos (prestígio).
Esse baixo valor do diploma expressa um terrível paradoxo: quanto mais
expandimos a oferta do ensino, maior se revela nossa dificuldade de
formar professores para atendê-la.
Estamos pagando o preço caro de uma conquista. Desde o
século 18, na Europa, e pelo menos desde o final do século 19, no
Brasil, reivindica-se educação como direito do cidadão e dever do
Estado. Pois bem, todos – ou quase todos – vieram para a escola. Vieram
os camponeses, os das periferias urbanas, os indígenas, os deficientes
físicos e, inclusive, os que não querem saber de escola. Vieram por
direito, resultado de lutas históricas pela sua inclusão nos sistemas de
ensino. Mas, como não há milagres em matéria de educação e ensino, isso
também exigiria formar em quantidade e qualidade os professores que
dariam conta dessa tarefa em condições que obedecessem a patamares
mínimos de decência.
O Brasil universalizou recentemente o ensino fundamental e
trabalha arduamente para universalizar, até 2016, a educação infantil e o
ensino médio, cujo atendimento está na casa de míseros 50%. Não
bastasse a escassez de professores para a demanda atual, que o MEC já
contabiliza na casa dos 250 mil, sobretudo para o ensino das ciências,
universalizar a educação básica implica a necessidade de formar mais e
bem os professores para realizar a tarefa. Essa legítima proposta do
Plano Nacional de Educação esbarra, contudo, em problemas cuja gravidade
nos deixa poucas expectativas para sua realização.
O elemento-chave da sua explicação é o baixo valor do diploma de professor, sobretudo na educação
básica, tanto no mercado de bens econômicos (salário) quanto no mercado de bens simbólicos (prestígio)
básica, tanto no mercado de bens econômicos (salário) quanto no mercado de bens simbólicos (prestígio)
Um desses problemas é a baixa atratividade da carreira
docente, com recrutamento dos estudantes dos cursos de licenciatura
justamente entre aqueles de escolarização básica mais precária.
Indicador preocupante dessa baixa atratividade está expresso na relação
candidato/vaga dos últimos 13 vestibulares da UFMG (2000-2012), o que
parece estar longe de ser uma situação exclusiva desta Universidade. Em
2000, dos 17 cursos mais concorridos, seis formavam professores. Para o
vestibular 2012, não há um único curso de licenciatura entre os 15 mais
concorridos. Mantida a atual tendência, em três ou cinco anos não
teremos candidatos aos cursos de licenciatura. Cursos como Ciências
Biológicas, Educação Física, Geografia, História, Letras, Matemática e
Pedagogia, que eram disputados numa correlação de 12 a 30 candidatos por
vaga, há dez anos, para 2012 contarão, respectivamente, com 3,5; 2,1;
1,6; 4,8; 1,4; 2,9 e 3,0 candidatos para cada vaga. Mesmo considerando
que houve aumento do número de vagas em alguns deles, redução da
concorrência em outros cursos que não os de licenciatura e que caiu de
18 para 9 a média geral da relação candidato/vaga na universidade, a
generalizada queda da concorrência nos cursos de licenciatura é forte
evidência de que há pouco interesse pela docência atualmente.
Mas isso é apenas parte do problema. Um segundo elemento a
ser considerado é o elevado índice de desistência da profissão. Grande
número dos que se formam professores não terão as salas de aula como
destino ocupacional. A universidade fez elevado investimento, nas duas
últimas décadas, criando cursos exclusivamente de licenciatura, em que a
escolha precede o vestibular. Grande parte dos alunos desses cursos diz
explicitamente que a sala de aula não é a sua opção. E um dos motivos
mais apontados é a informação sobre o elevado índice de abandono da
profissão, isto é, professores experientes que se afastam por
adoecimento ou por não suportarem mais ser vítimas de violência física
e/ou simbólica no cotidiano da sala de aula.
Internamente, a Universidade tem enfrentado o problema com
ações como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(Pibid), que concede bolsas de estudos e um trabalho de formação
diferenciada para alunos dos cursos de licenciatura. Contudo, se não
forem modificadas as condições gerais da docência, para fazer dela uma
carreira atraente, simplesmente não teremos professores para atuarem na
universalização da educação básica.
* Professor de Sociologia da Educação na
FeE/UFMG, coordenador do Colegiado Especial de Licenciatura e do Grupo
de Pesquisa sobre Formação de Professores e Condição Docente
Retirado de: Boletim UFMG. nº 1755, ano 38, 31/10/2011
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